quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Segundo diário mínimo - Como Tomar Um Sorvete - Umberto Eco




Quando eu era pequeno, compravam-se dois tipos de sorvete para as crianças, vendidos em carrocinhas brancas com teto prateado: as casquinhas de dez centavos ou o biscoito de vinte. As casquinhas de dez centavos eram mínimas, cabiam perfeitamente na mão de uma criança e se confeccionavam tirando o sorvete do balde com a concha adequada e acumulando-o em cima do cone de massa. As avós nos aconselhavam a só comer uma parte da casquinha, jogando fora o fundo em ponta, porque havia sido tocado pela mão do sorveteiro (no entanto, era esta a parte melhor e mais crocante, todos a comiam escondidos, fingindo tê-la jogado fora).
O biscoito de vinte centavos, a cialda, era confeccionado com um aparelho especial, também prateado, que comprimia duas superfícies circulares de massa contra uma seção cilíndrica de sorvete. Fazia-se correr a língua pelo interstício até ela não conseguir mais alcançar o núcleo central do sorvete, e a essa altura se comia tudo, pois as superfícies já estariam moles e devidamente impregnadas do néctar. As avós não tinham nada a dizer; em teoria, os biscoitos só tinham contato direto com a máquina: na prática o sorveteiro os pegava com as mãos para entregá-los, mas era impossível identificar a zona infectada.
Eu sentia grande fascínio por alguns coetâneos meus cujos pais adquiriam não um biscoito de vinte centavos, mas duas casquinhas de dez. Estes privilegiados saíam desfilando orgulhosos com um sorvete na mão direita e outro na esquerda e, movendo com agilidade a cabeça, lambiam ora um ora outro. Esta liturgia me parecia tão suntuosamente invejável que muitas vezes pedi para poder celebrá-la. Em vão. Meus pais eram inflexíveis: um sorvete de vinte centavos sim, mas dois de dez centavos absolutamente não.
Como todos podem ver, nem a matemática, nem a economia e nem a dietética justificavam esta recusa. E nem mesmo a higiene, contanto que depois se jogassem fora as extremidades dos dois cones. Uma piedosa justificação argumentava, na verdade falaciosamente, que um menino ocupado em ficar correndo os olhos de um sorvete para o outro estaria mais inclinado a tropeçar em pedras soltas, degraus ou irregularidades quaisquer do calçamento. De maneira obscura, eu intuía que devia haver algum outro motivo, cruelmente pedagógico, do qual porém não conseguia me dar conta.
Hoje, habitante e vítima de uma sociedade de consumo e do desperdício (o que certamente não era o caso dos anos trinta), compreendo que aqueles meus entes queridos, hoje desaparecidos, estavam com a razão. Dois sorvetes de dez centavos em lugar de um de vinte não eram economicamente um desperdício, mas sem dúvida o eram simbolicamente. Por isso mesmo eu os desejava tanto: porque dois sorvetes sugeriam um excesso. E era justamente por isso que me eram negados: porque parecia uma indecência, um insulto à miséria, uma ostentação de privilégio fictício, um luxo injustificado. Só tomavam dois sorvetes as crianças estragadas, aquelas que eram justamente castigadas nas histórias, como Pinóquio quando desprezava a casca e o talo da maçã. E os pais que encorajavam esta fraqueza dos pequenos parvenus educavam os filhos no teatro idiota do "quero-mas-não-posso", ou então os estavam preparando, como diríamos hoje, para se apresentarem ao check-in da classe turística portando um falso Gucci comprado num camelô da beira da praia de Rimini.
Este apólogo corre o risco de parecer desprovido de moral, num mundo onde a sociedade de consumo tenta estragar também os adultos, e lhes promete sempre algo a mais, do reloginho incluído na embalagem à medalha oferecida para quem comprar a revista. Como os pais daqueles glutôes ambidestros que eu tanto invejava, a sociedade de consumo finge dar mais, mas na verdade dá por vinte centavos aquilo que vale vinte centavos. Jogamos fora o rádio velho para comprar o que promete também um toca-fitas auto-reverse, mas algumas inexplicáveis fraquezas da estrutura interna fazem com que o novo rádio dure somente um ano. O novo carro econômico tem assentos de couro, dois espelhos laterais reguláveis do interior e o painel em madeira, mas durará muito menos que a gloriosa Fiat 500 que, mesmo quando quebrava, sempre voltava a funcionar com um pontapé.
Mas a moral daqueles tempos queria que fôssemos todos espartanos, e a de hoje quer nos transformar a todos em sibaritas.
(1989)


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