segunda-feira, 7 de maio de 2012

Histórias Medievais - Hermann Hesse

"Para o 'homem culto' de hoje, o mundo de conceitos e crenças dessas histórias singulares é quando muito uma curiosidade, para muitos até algo ridículo ou odioso, um típico pedaço da 'obscura Idade Média'. Mas se o homem culto de hoje, cujo saber e crença conseguiram unicamente provocar o atual estado de barbárie da Europa, procurar nas Histórias os inícios dessa situação moderna, encontrará ali exatamente essa mal-afamada Idade Média, o período de florescimento do cristianismo europeu e da vida espiritual intuitiva, como um paraíso perdido." E mais: "Quanto mais lucidamente afastarmos nosso coração do cheiro do incenso e das cinzas da penitência, tanto mais depressa voltarão a nos pertencer os valores espirituais intocados daqueles séculos obscuros, e sua literatura". "O traje (dessas histórias) é sempre antigo, mas o conteúdo não é velho nem novo, e sim intemporal, merecendo sempre o nosso interesse, como tudo o que é humano."


                                                            Do "Dialogus Miraculorum"

                                   
                                                           Da interpretação dos sinais



No ano passado o bem-aventurado abade Teobaldo de Eberbach contou-nos o seguinte: Um monge que estava a caminho em algum lugar escutou o cuco chamar. Contou os chamados e chegou ao número vinte e dois. Tomou isso como um sinal de que ainda viveria tal número de anos.
 -Ei - disse ele - viverei mais vinte e dois anos! Por que me enterrar por tanto tempo num convento? Voltarei ao mundo, entregando-me à vida profana, e gozarei das suas alegrias por vinte anos. Nos dois últimos que me restarem, farei penitência.
 Mas Deus, que não gosta de interpretação de sinais, decidiu de outra maneira. Deixou-o viver vida profana nos dois anos que o monge destinara à penitência, e tirou-lhe os outros vinte (deixando-o morrer).


                                                            Da eficácia do exemplo


Um abade da Ordem Negra (Beneditinos), um bom homem de comprovada experiência, tinha monges muito singulares e relapsos. Alguns deles haviam conseguido certo dia diversas espécies de carne e vinhos finos. Com medo do abade, não se atreveram a consumir tais coisas num dos quartos do mosteiro, mas reuniram-se num grande tonel de vinho, levando para lá suas provisões. isso foi delatado ao abade, e, profundamente entristecido com isso, ele chegou correndo, olhou para dentro do tonel, e com sua chegada transformou a alegria dos moleques em tristeza. Viu como estavam assustados, e bancou o alegre, entrou junto deles no barril e disse:
 - Ah, irmãos, queríeis comer e beber aí sem mim? Isso não é justo. Na verdade, vou participar.
Lavou as mãos, comeu e bebeu com eles, e pelo exemplo devolveu-lhes a alegria perdida. No dia seguinte, depois de preparar e instruir o prior, o abade postou-se diante dele no Capítulo, pediu perdão com a maior humildade, fingiu terror e medo, e exclamou?
 - Senhor prior, confesso a vós e a todos os meus irmãos presentes que eu, pecador, caí no pecado da gula, e ontem, secretamente, escondido num tonel de vinho, pequei contra a prescrição e a regra do meu santo pai São Bento, saboreando carne. - E prostou-se no chão preparando-se para a penitência. Quando o prior quis dissuadi-lo, respondeu: - Deixai-me sofrer punição e penitência, pois é melhor pagar aqui do que na outra vida.
Depois da punição e da penitência, voltou ao seu lugar. Mas aqueles monges, com medo de que os chamaria se ocultassem sua culpa, também se ergueram e confessaram seu pecado. O abade mandou dar-lhes severos castigos, conforme combinara antes com outro monge, censurou-os asperamente e ameaçou-os com duas penas para que não acontecesse mais semelhante coisa. Assim, como médico esperto, ele curou pelo exemplo o mal que não pudera combater com palavras.

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