segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Segue o teu destino






Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Odes de Ricardo Reis

segunda-feira, 20 de outubro de 2014






"E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça."

(Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres)

sábado, 20 de setembro de 2014


No sonho não existe espaço para verdade ou inverdade, para a lógica ou a fantasia. No sonho está o homem inteiro, com tudo aquilo que ele sabe conscientemente e com tudo aquilo que ele não sabe e talvez possa não saber jamais. Se a criação e o próprio homem não são nunca outra coisa que um sonho, então esta é a sua indestrutível verdade. E tudo existe, como existe o homem. Porque existe o homem que sonha.

A Lua Negra de Lilith -  Roberto Sicuteri

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Virginia Woolf, Professions for Women






"...descobri que...precisava travar uma batalha com um determinado fantasma. E o fantasma era uma mulher, e quando cheguei a conhecê-la melhor, passei a chamá-lo pelo nome de heroína de um famoso poema, O anjo da casa...Ela era intensamente simpática. Maravilhosamente encantadora. Totalmente abnegada. Ela se distinguia nas difíceis tarefas da vida em família. Se havia galinha, ela ficava com o pé, se havia uma corrente de ar, sentava-se bem ali. Em suma, sua constituição era tal, que ela nunca tinha um pensamento ou desejo próprio, preferindo antes apoiar os pensamentos e desejos dos outros. Acima de tudo, ela era, é desnecessário dizer, pura... E quando me punha a escrever, deparava-me com ela logo nas minhas primeiras palavras. A sombra de suas asas espalhava-se sobre a minha página. Eu ouvia o farfalhar de sua saia no quarto... Ela se aproximava furtivamente pelas minhas costas e sussurrava... Seja simpática, seja delicada, faça elogios, engane, lance mão de todas as artes e ardis do seu sexo. Nunca permita que alguém pense que você tem um pensamento próprio. Sobretudo, seja pura. E agia como se tivesse guiando a minha caneta. Relato agora a única ação que me levou a ter algum apreço por mim mesma... Voltei-me para ela e a agarrei pela garganta. Apertei com toda a minha força, até matá-la. Minha defesa, caso fosse levada a um tribunal, seria a de que agi em defesa própria. Se eu não a matasse, ela me mataria."

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A paixão de Lilith



O que gente como eu tinha
a fazer com gente como Adão?

E no entanto por algum capricho
ou mesmo por obra de Seu humor negro
fomos atirados juntos, a terra
polida e o brilho da lua...

Então Adão quase me deixou
louca - meu primitivo e boquiaberto
homem, dócil como pilão
e brando como a lógica
vivia ostentando o direito divino
de suas propriedades
perante minha óbvia carência
de bens.

A princípio, tentei agradar,
abri minha caixa de milagres para ele,
ele só queria moldar as ervilhas.
Queria seus pássaros em sua mão.
Usei, de bom grado, de todos os rodeios.
Fiz um abrigo de folhas, trepadeiras e veneno para anjos,
ele não quis entrar.
Não quis se deitar sob minha improvisada
colcha de retalhos. Preferia morrer.

Ele tinha a Palavra,
recebera-a do alto, enquanto eu,
anterior aos alfabetos, inútil como um &,
permanecia mergulhada no redemoinho do caos.

Jardins foram feitos para ordenadores,
jardineiros foram feitos para ordenar,
mas eu não sou ordenável, sou a primeira transgressora.
Por isso, enquanto Adão cercava cuidadosamente suas bestas
e apertava a sebe,
e enquanto anjos guerreavam e buliam
com os nervos de Deus,
inadaptada e fora do lugar, fugi.
Xinguei Adão.
E deixei meu primeiro amor
chupando o dedão.

Pamela Hadas
em The Cauldron Press



terça-feira, 5 de março de 2013

O Momento



O momento quando, após muitos anos
de trabalho duro e uma longa jornada
te encontras no centro do teu quarto,
casa, meio acre, milha quadrada, ilha, país
sabendo por fim como lá chegaste,
e dizes, eu possuo isto,


é o mesmo momento em que as árvores desatam
os seus macios braços do teu redor,
as aves voltam a usar sua linguagem,
as falésias fissuram e colapsam,
o ar se afasta de ti como uma onda
e tu não consegues respirar.


Não, murmuram eles. Tu não possuis nada.
Tu foste um visitante, de tempos em tempo
subindo a colina, cravando a bandeira, proclamando.
Nós nunca te pertencemos.
Tu nunca nos encontraste.
Foi sempre o contrário.




    Margaret Atwood

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013





"Devolva-se a humanidade à forja que a criou e utilizem-se martelos semelhantes para tornar a esculpi-la e ela se contorcerá na mesma imagem torturada. Cultivem-se de novo as mesmas sementes de desordem e opressão rapaces e certamente serão colhidos os mesmos frutos amargos."


Um Conto de Duas Cidades - Charles Dickens